Estando na França, qualquer entusiasta da Segunda Guerra Mundial quer correr direto pra um lugar só: a Normandia! Esse pedaço de litoral tão lendário, que captura nossa imaginação de forma tão única, exerce um fascínio quase incontrolável.
E acreditem, estar lá é o suficiente para sentir toda a experiência da guerra na pele!
Vamos começar pelo básico do básico: como chegar à Normandia? Não há voos Guarulhos-Normandia e nem um aeroporto lá nas praias, então, como você chega lá? A resposta mais simples e prazerosa é uma só: de carro. Vão descobrir o porquê do “prazeroso” depois.
É tudo muito simples. Alugue um carro em Paris, tenha sua carteira de motorista em mãos, e off you go. É bom você ter a Permissão Internacional para Dirigir, mas ela não é normalmente cobrada por lá. Então, dê a partida – use um GPS, vale muito a pena – saia de Paris e pegue a autoestrada E5 na direção de Caen. Há três pedágios pelo caminho, e você pode pagar com dinheiro ou cartão de crédito. Eu particularmente prefiro cartão, é mais rápido – na verdade, quase instantâneo. Não se preocupe, existem indicações claras sobre os guichês, indicando qual recebe dinheiro e qual recebe cartão.
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Estradas francesas: só alegria. |
Fora isso, a estrada é um tapete, e você nem vai perceber que se passaram duas horas e meia até chegar a Caen. Eu particularmente acho que o melhor lugar para se hospedar na Normandia é justamente Caen: é uma cidade com um bom porte, que tem uma infraestrutura bem legal e possui vida noturna (a maioria das pequenas vilas perto da praia são mortas à noite).
Caen também é uma atração à parte, pois lá estava aquartelada a 21ª Divisão Panzer, como parte da reserva móvel de Rommel em caso de invasão. Os ingleses planejavam tomar Caen logo no primeiro dia, mas levaram dois meses para capturar a cidade! Seu avanço lento no primeiro dia permitiu que 7 divisões panzer se colocassem em seu caminho.
Adiantando, este pequeno guia não pretende esgotar o assuntonem ser um “guia completo” da Normandia, mas apenas um guia para uma viagem rápida, se for tirar dois ou três dias de sua estadia na Europa para estar lá. E agora vem a razão do carro ser a alternativa mais prazerosa: aliberdade e economia de tempo que você terá para visitar os diversos pequenos pontos históricos que recheiam aquele litoral.
Eu comecei pelo ponto onde tudo começou, a lendária Ponte Pegasus. Foi lá que, poucos minutos depois da meia-noite entre 5 e 6 de junho, 181 paraquedistas ingleses comandados pelo Major John Howard fizeram um dos pousos de planador mais precisos da história ao aterrissar a metros de distância de seu objetivo. Eles deveriam tomar a ponte para evitar que blindados alemães a usassem para atravessar o rio Orne e ameaçar o flanco da praia Sword, e o fizeram em apenas alguns minutos, surpreendendo completamente os alemães.
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Ponte Pegasus. |
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Tanque Cromwell, ao lado da ponte. |
Hoje, há um museu, uma réplica de um planador Horsa e uma boa loja de souvenires logo ao lado do rio, perto de um tanque Cromwell– comprei lá um capacete M1 que me acompanhou pelo resto da viagem! A ponte original já se foi (na verdade está no museu), e uma mais moderna está em seu lugar; contudo, o local continua tão histórico quanto! Não podemos deixar de mencionar o também lendário Pegasus Café, que está lá em pleno funcionamento. O café funcionou como posto de comando e enfermaria até que as tropas desembarcadas na praia fizessem a ligação com os paraquedistas.
Em seguida eu fui para Arromanches-les-Bains, para ver o litoral normando pela primeira vez. Essa pequena cidade não é só mais um pedacinho de praia que foi invadido, pois foi lá que os ingleses montaram seu porto Mulberry. No centro da praia Gold, por Arromanches passava toda a estrutura logística Aliada depois que uma tempestade destruiu o Mulberry americano em Omaha.
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Na praia Gold, em Arromanches. Os restos do Mulberry cobrem o horizonte. |
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Pegando uma lembrança. |
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Museu do Desembarque em Arromanches. |
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Sherman em Arromanches. |
O Mulberry era um porto artificial construído em módulos na Inglaterra e rebocado pelo Canal da Mancha até a Normandia. Uma vez montado, possibilitou o descarregamento de navios com a imensa quantidade de suprimentos que as forças de invasão necessitavam. É emocionante descer a rampa e chegar até a praia, olhar o horizonte e ver os gigantescos blocos do Mulberry ainda lá, como velhas testemunhas da história. Confesso que eu peguei um pouquinho da areia pra levar pra casa como lembrança. Em Arromanches há um museu do desembarque, bem interessante de se ver, como também muitas lojas de militaria e souvenires.
Volte para o carro e siga até Longues-sur-Mer (bem pertinho) e a maravilhosa bateria costeira alemã que lá se encontra. Fica fora da cidade, mas há boa sinalização e é fácil de achar. Essa bateria de artilharia costeira consiste em 4 casamatas que abrigam uma arma de 152 mm cada. A construção foi completada em abril de 1944 e era operada pela Kriegsmarine. No dia 6 de junho de 1944 ela disparou 170 vezes contra a frota invasora, mas três das armas foram silenciadas já no período da tarde. As guarnições se renderam no dia seguinte aos ingleses, e o maior dano que se vê é a explosão da casamata nº 4, que ocorreu com a detonação de uma pilha de munição antiaérea amontoada pelos ingleses no teto da mesma. Diversos desses soldados morreram no acidente.
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Casamata da bateria da Kriegsmarine de Longues-sur-Mer. |
As armas ainda estão lá, em relativo bom estado. Você pode passear livremente ao redor e pelo interior das casamatas, e até subir no teto – faça isso, a visão que se tem lá de cima vale a pena! Há também uma casamata de observação e coordenação de fogo, mais perto da praia. Lá também você pode entrar, e terá a sensação clara do que era viver num ambiente construído em concreto, esperando pelo pior a todo momento!
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As armas estão em boas condições. |
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Casamata de observação. |
Um pouco mais a frente na estrada está o Cemitério Militar Americano em Colleville-sur-Mer, aquele que aparece no comecinho de “O Resgate do Soldado Ryan”. Suas cruzes brancas perfeitamente ordenadas são uma visão e tanto. Só chegue cedo porque o cemitério fecha os portões às 17h.
A próxima parada é local mais interessante da Normandia, sem dúvida: o Pointe du Hoc. É um promontório bastante alto que fica justamente entre as praias Utah e Omaha. Os alemães o fortificaram com casamatas, arame farpado e ninhos de metralhadora, e os Rangers americanos o conquistaram após escalarem os penhascos que levam até a praia. O detalhe é que o Pointe du Hoc recebeu um pesadíssimo bombardeio aeronaval, e o local foi preservado da mesma maneira como ficou no Dia-D, uma paisagem praticamente lunar. É impressionante ver o tamanho das crateras deixadas pelas bombas, e irresistível descer até o fundo de uma delas para ter a noção lá de dentro. As casamatas ainda estão lá, bem como o arame farpado. Vá até o parapeito e olhe lá pra baixo, pra imaginar o que os Rangers passaram escalando sob fogo. Se olhar à direita, vai poder ver o Mulberry em Arromanches, à distância.
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A paisagem lunar do Pointe-du-Hoc. |
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Uma das maiores crateras do Pointe-du-Hoc. |
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Olhando lá pra baixo, por onde os Rangers escalaram. |
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Numa das casamatas alemãs. |
Mais uma vez na estrada e o destino é o maior cemitério militar da região, em La Cambe. Este é um cemitério militar alemão, e segue o tradicional estilo sepulcral germânico, com cruzes baixas de pedra. Muitíssimo bem organizado, é a morada final de mais de 21 mil soldados alemães. Logo na entrada, há um livro index onde você pode achar facilmente qualquer nome que queira. A personalidade mais famosa lá é certamente o SS-Hauptsturmführer Michael Wittmann, comandante de tanque Tiger com 138 blindados inimigos destruídos e detentor da Cruz do Cavaleiro com Espadas. Wittmann foi morto em ação em 8 de agosto de 1944, junto com os quatro membros de sua tripulação. Os cinco homens estão enterrados juntos, e sempre há uma coroa de flores no local. Suba até o topo do monumento central e dê uma olhada na extensão do cemitério de La Cambe; é uma visão marcante.
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As tradicionais cruzes de pedra. |
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Túmulo de Michael Wittmann e sua tripulação do Tiger. |
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Junto ao túmulo do SS-Hauptsturmführer Wittmann. |
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Monumento central do cemitério. |
A seguir, a cidade de Sainte-Marie-du-Mont. Disputada pelos paraquedistas norte-americanos da 101ª Divisão Aerotransportada com os alemães no dia 6 de junho, a cidade é um ícone para fãs da série “Band of Brothers”, e tem diversas lojas de militaria – cuidado para não gastar todo seu dinheiro lá! Pertinho da cidade fica a localidade rural de Brécourt Manor, onde o então Tenente Richard Winters liderou um grupo de paraquedistas para destruir uma bateria de quatro armas 105 mm alemãs que bombardeavam a praia Utah. A ação de Winters valeu-lhe uma Distinguished Service Cross e entrou para os anais da história militar.
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Sainte-Marie-du-Mont. |
Por último, vá a Sainte-Mère-Église, possivelmente a primeira cidade a ser conquistada pelos Aliados durante a invasão. Lá, o primeiro ponto obrigatório é a igreja da cidade, que hoje mantém preso na torre um boneco representando o paraquedista John Steele, que ao descer, teve seu paraquedas preso na igreja e ficou lá, pendurado, fingindo-se de morto por duas horas, enquanto soldados alemães passavam por perto. Qualquer movimento e ele seria alvo facílimo para um tiro ao alvo. Não deixe de entrar na igreja e dar uma espiada nos belos vitrais, decorados com paraquedistas, que descem do céu como anjos salvadores!
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Igreja de Sainte-Mère-Église. |
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Detalhe do boneco representando o paraquedista John Steele. |
Às 5h da manhã do dia 6, a cidade foi tomada pelos americanos, que receberam decididos contra-ataques ao longo do dia, até receberem reforços da praia. A cidade também tem ótimas lojas de militaria, onde você pode encontrar muita coisa interessante para levar pra casa! Prepare o bolso porque tem coisa boa!
Saindo da cidade, há um monumento em memória dos paraquedistas mortos, da 82ª e 101ª divisões norte-americanas. É um local belíssimo, margeado por um riacho e cercado por pastos impecáveis. Realmente é de encher os olhos.
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Monumento aos paraquedistas mortos, Sainte-Mère-Église. |
Como eu disse, esse pequeno roteiro de maneira alguma chega perto de esgotar a Normandia, e você vai precisar de mais uma boas voltas lá para ver tudo. Dirigindo, pelas pequenas estradas locais, você acaba sempre topando com coisas interessantes, veículos e armas históricas, enfim, tudo o que gostamos tanto! Normandia não se visita, Normandia se respira!
Caso tenha se perdido, veja aqui o roteiro no mapa:
Espero que tenham gostado e que possa ser útil para quem conhecer de perto essa verdadeira Disneylândia da história militar!