Quantcast
Channel: Sala de Guerra
Viewing all articles
Browse latest Browse all 161

Nota de Falecimento: Rui Moreira Lima

$
0
0
Rui Moreira Lima
(12/06/1919 - 13/08/2013)

Faleceu no último dia 13 de agosto no Rio de Janeiro, de causas naturais aos 94 anos de idade, o veterano piloto do 1º Grupo de Aviação de Caça, Major-Brigadeiro-do-Ar Rui Barbosa Moreira Lima.

Nascido na pequena cidade de Colinas, no estado do Maranhão, Rui era filho do desembargador Bento Moreira Lima. Após completar os estudos, já no Rio de Janeiro, Rui ingressou em 1939 na Escola Militar do Realengo, como cadete do Exército. Neste período, vivenciou a intensa atividade política da capital federal, em meio à guerra mundial que estourara na Europa, provocando uma disputa por prestígio entre Alemanha e Estados Unidos junto ao governo brasileiro.

Com o alinhamento do Brasil aos EUA se consolidando a partir de 1941, e a crescente possibilidade de envolvimento nacional na Segunda Guerra Mundial, um novo conjunto de medidas foi tomado por Getúlio Vargas, entre elas a criação da Força Aérea Brasileira, como elemento armado independente, em dezembro de 1941. Rui, que ao graduar-se da Escola de Voo dos Afonsos passou a voar no Correio Aéreo Nacional, foi transferido para a nova FAB. O Brasil declarou guerra à Alemanha e Itália em agosto de 1942, colocando jovens pilotos como Rui Moreira Lima na primeira linha de defesa do país. Após diversas rodadas de negociação em Washington, foi determinada a criação de uma unidade de caça brasileira para atuação na frente de batalha na Europa: o 1º Grupo de Aviação de Caça. Vargas escolheu o então Tenente-Coronel Nero Moura como seu comandante, e Nero decidiu que todos os quadros da unidade seriam compostos por voluntários. Rui foi um dos primeiros a se voluntariar.

Enviados para o Panamá em março de 1944 para treinamento junto à USAAF, Moreira Lima aprendeu as novas táticas de voo em formação e combate nos comandos do Curtiss P-40 Warhawk, sendo declarado piloto de caça e enviado para os EUA para conhecer a aeronave em que voaria em combate: o Republic P-47 Thunderbolt. Em setembro, Rui e seus colegas foram transportados para a Itália, onde chegaram em 6 de outubro, sendo estacionados na base aérea de Tarquinia. No dia 6 de novembro, ele voou sua primeira missão operacional, como 4º elemento de uma formação do 346º Esquadrão de Caça, para atacar uma ponte na cidade de Levante. Ainda nervoso, Rui errou o alvo, que já havia sido acertado pelo Capitão Lagares: "Minha única preocupação era não perder meu líder de vista. Marquei um tento, além de ter entrado rapidamente em formação logo após o bombardeio, ainda pude controlar todas as bombas dos meus companheiros".

Com o passar dos dias e das missões, gradualmente o Tenente Rui foi se tornando um especialista em ataque ao solo. Claro, não sem que a guerra deixasse sua marca nele. Em 27 de dezembro de 1944, ele passou por uma experiência marcante: "Enquanto havíamos passado o jipe, os alemães entraram nele outra vez e rumaram para uma casa de dois andares próxima à estrada, quase na margem. Foi seu erro, pois justamente quando pararam o carro e desceram correndo, amontoando-se na porta da casa, estava eu com as oito .50 em boa distância para o tiro. Naturalmente, não mirei o jipe. Este, sem chofer, não andaria. A lenha foi grossa. Pela primeira vez, atirei num soldado". Ao retornar à base, Rui teve náuseas e sentiu-se mal por dias, até que a realidade da guerra assentasse.

No dia 11 de março de 1945, ao atacar a ponte de Casarsa, seu Thunderbolt D-4 levou um tiro de flak 20 mm diretamente no motor, iniciando um incêndio. Mesmo assim, Rui ainda atacou e destruiu a ponte, seguindo depois para o Adriático para tentar um salto. Já acima do mar, e pronto para deixar o avião, decidiu continuar o cockpit: "Eu fui para a FAB para ser piloto e não paraquedista". Direcionado para a pista de Forli, ele fez um pouso de barriga, sendo imediatamente socorrido por Frederick Charles Tate, oficial de ligação da RAF com a esquadrilha polonesa estacionada no local. Curiosamente, Tate era curitibano e falava português fluentemente, levando Rui para uma comemoração com os pilotos poloneses - regada a muito álcool. Levado de volta a Pisa ainda em coma alcoólico, Rui voltou a voar novamente no dia seguinte, um reflexo da escassez de pilotos pela qual passava o Senta a Pua na época.

Rui Moreira Lima, em parceria com outros colegas, escreveu o "Carnaval em Veneza", canção que hoje é um dos hinos da FAB, além da "Ópera do Danilo" - uma homenagem à épica fuga do Tenente Danilo Moura (irmão do Coronel Nero) do território ocupado pelos alemães após ser abatido. Rui realizou sua 94ª e última missão em 1 de maio de 1945, quando atacou um comboio alemão ao norte de Udine. A rendição das forças do Eixo no Teatro de Operações do Mediterrâneo se deu no dia seguinte. Imediatamente, ele foi um dos 19 pilotos escolhidos por Nero Moura para ir aos EUA buscar os novos P-47s adquiridos pelo Brasil para equipar o grupo de caça na Base Aérea de Santa Cruz.

Nas décadas seguintes, Rui ascendeu no oficialato da FAB e ocupou diversos cargos de importância, culminando no comando da Base Aérea de Santa Cruz em agosto de 1962, como Coronel. Na manhã de 1 de abril de 1964, recebeu informes de deslocamento de uma coluna armada pela estrada que liga MG ao RJ. Mesmo com tempo bastante encoberto, ele decolou num pequeno jato e, sendo orientado pelo radar do Galeão, resolveu fazer um mergulho pelas nuvens sobre a estrada. Em baixíssima altitude, Rui fez a recuperação logo acima da coluna armada do General Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Divisão de Infantaria, que partia para ocupar a Guanabara. Rui pediu ordens para atacar a coluna, mas não recebeu autorização pelo comando da FAB. A consolidação da tomada de poder pelos militares no fim daquele dia colocou todo seu comando em xeque. Ele teve que passar o controle da base para um novo comandante e foi preso em seguida. Afastado do serviço ativo por sua não-colaboração, Rui começou a escrever a grande coleção de memórias que se tornaria a bíblia do grupo de caça na campanha da Itália, o livro "Senta a Pua!", lançado em 1989.

Com o fim do regime militar, ele teve restaurada sua patente para Major-Brigadeiro-do-Ar, e se tornou um símbolo do esforço brasileiro em combate na Segunda Guerra Mundial. Um dos recordistas de missões operacionais, exímio piloto, comandante exemplar e personalidade cativante, o Brigadeiro Rui participava ativamente da agenda da FAB, nas bases aéreas, Clube da Aeronáutica e no INCAER, do qual era patrono.

No começo de fevereiro de 2013 sofreu um AVC, que levou-o à internação e uma espantosamente rápida recuperação. Contudo, sua saúde mesmo assim fragilizou-se, e ele não mais participou de eventos públicos. Em junho, nova piora em seu quadro levou-o a nova internação, resultando num ataque cardíaco fatal na madrugada de 13 de agosto.

Com seu falecimento, o Brigadeiro José Carlos de Miranda Corrêa torna-se o último piloto da FAB ainda vivo a ter voado em combate na Segunda Guerra Mundial, além do Major John Buyers, da USAAF (que também voou voluntariamente 21 missões com o grupo). O Brigadeiro Rui Moreira Lima deixa esposa, Dona Julinha, e um filho, Pedro Luis.

Tive a felicidade de conhecer o Brigadeiro Rui Moreira Lima e conversar bastante com ele. Pode parecer que há algum exagero quando comentam da grandeza deste grande soldado brasileiro, mas posso garantir, pelas minhas próprias impressões, que não há exagero algum. O Brigadeiro Rui era lendário, personalidade ativa e impressionante, centralizava em si a responsabilidade de levar a história do 1º Grupo de Caça e sua herança adiante, carregando acima de tudo as cores do Brasil. Falei com ele pela última vez apenas 3 dias antes de seu AVC em fevereiro, justamente para combinar os detalhes da minha ida ao RJ para as comemorações do Dia Nacional da Aviação de Caça. As comemorações deste ano perderam um pouco de seu brilho sem a presença dele, todos sentimos isso, mas exatamente por honra à sua imortal figura, o brilho do Senta a Pua nunca deve se apagar!

Um glorioso Adelphi! Vá em paz Brigadeiro Rui!

Com o Brigadeiro Rui no almoço dos veteranos do Senta a Pua. Rio de Janeiro, 21 de abril de 2012.

Rui despede-se de Julinha ao embarcar para o Panamá em março de 1944.

Tenentes Rui, Torres e Goulart na Base Aérea de Pisa.

Coronel Rui (frente, à direita), quando comandava a Base Aérea de Santa Cruz.

Brigadeiro Rui e Dona Julinha na Base Aérea de Santa Cruz, 22 de abril de 2012.

Republic P-47 Thunderbolt "Poderoso", de Rui Moreira Lima. 1º Grupo de Caça, Pisa, Itália, abril de 1945.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 161