Martin Drewes
(20/10/1918 - 13/10/2013)
Faleceu no último dia 13 de outubro em Blumenau, Santa Catarina, de causas naturais aos 94 anos de idade, o ganhador das Folhas de Carvalho da Cruz do Cavaleiro, meu amigo, Oberstleutnant Martin Drewes.
Nascido no vilarejo de Lobmachtersen, perto de Hannover, Martin era filho do farmacêutico local. Na infância, fez um voo panorâmico com sua mãe, e desde então apaixonou-se pela aviação. Contudo, em novembro de 1937 alistou-se na nascente força de blindados do Exército, sendo designado para o 6º Regimento Panzer. Pouco tempo depois, tornou-se cadete na Escola de Oficiais em Munique, onde conheceu Chiang Wego, filho do líder chinês Chiang Kai-Shek. A amizade entre os dois duraria até a morte de Wego em 1997. Drewes foi comissionado Leutnant em agosto de 1939, e no mês seguinte, à pedido, foi transferido para a Luftwaffe.
Após o treinamento básico de voo, ele foi enviado para a escola de multimotores, onde aprendeu a pilotar aeronaves de médio e grande porte; em seguida, seguiu para a escola de caças pesados, onde adquiriu experiência nos comandos da aeronave que voaria durante toda a Segunda Guerra Mundial: o Messerschmitt Me 110. Concluindo o treinamento em fevereiro de 1941, Drewes foi enviado para o II Gruppe do Zerstörergeschwader 76 (ZG 76), unidade empregada como apoio aéreo na última fase da invasão da Grécia em abril daquele ano.
Ao mesmo tempo, uma revolução anti-britânica acontecia no Iraque, e o novo governo nacionalista pediu ajuda a Hitler para derrotar os ingleses no país. Com os planos secretos de invasão da União Soviética em estágio adiantado, tudo que os alemães puderam enviar foi uma esquadrilha de caça e uma de bombardeio sob comando do Oberst Werner Junck. A esquadrilha de caça escolhida para o Sonderkommando Junck foi justamente a do Leutnant Drewes. Numa manhã de maio no aeródromo de Tatoi, em Atenas, as aeronaves amanheceram pintadas com insígnias desconhecidas e ordens secretas foram dadas aos pilotos para que voassem para base italiana de Rhodes. Em pleno voo, descobriram que seu destino final era o Iraque, onde chegaram em 17 de maio. Naquele dia, Drewes e outros dois colegas atacaram a base aérea da RAF em Habbanyia, mostrando que a Luftwaffe havia chegado ao teatro de operações. Três dias depois, Drewes derrubou sua primeira presa, um solitário Gloster Gladiator. Ao atacar um caminhão inglês dias depois, foi atingido seriamente por tiros de metralhadora e teve que fazer um pouso forçado, vagando pelo deserto até ser encontrado por iraquianos e levado a Bagdá. O pequeno contingente alemão não tinha forças para parar a ofensiva inglesa, e uma evacuação do Iraque foi ordenada.
Retornando à Europa, Drewes passou a voar sobre o Mar do Norte, onde derrubou um
Spitfire em 29 de agosto. Promovido a Oberleutnant em 1 de novembro, ele voluntariou-se para uma nova força, recém-criada pelo
Oberst Wolfgang Falck: a
Nachtjagd (Caça Noturna). Desenvolvida com o objetivo de contra-atacar os bombardeiros da RAF em suas incursões à noite, as unidades de caça noturna utilizavam principalmente o Me 110 e o
Junkers Ju 88 como vetores. Guiados por radares de solo e de bordo, interceptavam os alvos em plena escuridão. Após o período de treinamento e adaptação, Drewes foi enviado para a 9ª Staffel do
Nachtjagdgeschwader 3 (NJG 3) na Noruega. Seu primeiro abate noturno aconteceu em 17 de janeiro de 1943, quando ele derrubou um quadrimotor
Short Stirling sobre Linden, no noroeste da Alemanha. No mês seguinte, recebeu o comando da 7ª Staffel, mas em junho foi transferido para a unidade de elite da caça noturna: o
NJG 1, em Leeuwarden, na Holanda. Em agosto, tornou-se comandante da 11ª Staffel, e no dia 3 de outubro, após ser seriamente atingido por destroços de uma de suas vítimas, teve que fazer uma difícil aterrissagem forçada em um morro, escapando da morte por pouco. Quando já contava com 14 vitórias, foi condecorado com a
Cruz Alemã em Ouro em 24 de fevereiro de 1944, sendo pouco depois elevado ao comando do III Gruppe, que lideraria até o fim da guerra. Promovido a Hauptmann em abril, Drewes teve sua noite de combate mais bem-sucedida em 22 de maio, quando derrubou
5 Avro Lancasters em sequência, em pouco mais de 90 minutos.
Quando já contava com 48 vitórias e um currículo impecável como comandante, Martin Drewes foi agraciado com a Cruz do Cavaleiro da Cruz de Ferro em 27 de julho de 1944. Promovido a Major em 1 de dezembro, ele alcançou sua última vitória em 3 de março de 1945. Mesmo com a dramática e deteriorante situação dos últimos meses da guerra, Drewes manteve seu grupo em atividade e boa disponibilidade operacional, se tornando o 839º soldado da Wehrmacht a ser condecorado com as Folhas de Carvalho da Cruz do Cavaleiro em 17 de abril de 1945. Ele encerrou a guerra com 52 vitórias aéreas (50 quadrimotores e 2 caças) em 235 missões de combate.
Após ser libertado em 1947, emigrou para o Brasil, onde inicialmente trabalhou para o Departamento de Estradas do estado de Goiás, pilotando
Focke-Wulf Fw 58s de aerofotogrametria, realizando o reconhecimento do planalto central para a futura
construção de Brasília. Em seguida, conheceu e casou-se com sua esposa Dulce, com quem teve um filho. Trabalhou na gerência de uma fábrica de óleo de coco no Maranhão, e na supervisão de uma madeireira no Amazonas. Na década de 1960, passou a trabalhar como diretor da
Volkswagen Seguros, no Rio de Janeiro, de onde aposentou-se nos anos 1980.
Martin Drewes mudou-se para Blumenau, Santa Catarina, em sua aposentadoria. Foi quando publicou sua autobiografia "Sombras da Noite" em 2002, e protagonizou um documentário biográfico, "O Caçador da Noite", em 2008. Ativo participante dos encontros de veteranos na Alemanha, bem como de diversos eventos promovidos pela Força Aérea Brasileira, Drewes era conhecido e admirado em todos os círculos de entusiastas da aviação no país. Em 2011, teve uma extensa biografia publicada na Alemanha: "Sand und Feuer", até o momento disponível somente em alemão.
Viúvo desde 2010, ele sofreu um acidente doméstico em junho de 2013, após o qual sua saúde declinou sensivelmente, vindo a falecer a apenas uma semana de seu 95º aniversário.
Me lembro como se fosse ontem a primeira vez que conversei com Martin Drewes, por telefone, no fim de 2006. Estava eu propondo a ele a realização de um
documentário em vídeo sobre sua vida, e confesso que sentia muito receio de que ele rejeitasse a proposta. Martin, contudo, me surpreendeu aceitando o convite, e após os trâmites com o financiamento, conheci-o finalmente em Blumenau em fevereiro de 2008. Foram quatro dias de entrevista filmada, no qual ele nos brindou com suas histórias e seu amplo conhecimento da guerra aérea noturna. Tornamo-nos bons amigos depois disso. Martin convidou-me para ir com ele conhecer a Alemanha e participar dos encontros de veteranos. Uma
experiência valiosíssima para qualquer pesquisador, que abriu-me as portas para conhecer veteranos de diversos países, como Inglaterra, Romênia, Itália e Estados Unidos. Visitei-o sempre que possível em Blumenau, cidade onde também fiz diversos amigos.
Hoje o Martin nos deixa, admirado não só pela carreira de caçador, mas especialmente pela pessoa que era. Uma mensagem sua é inesquecível: fale aquilo que sabe, aprenda a enxergar com seus próprios olhos. Válido para todos os momentos da vida. Tenho certeza de que este descanso foi-lhe merecido. Drewes marcou sua passagem por este mundo com honra, e a história nunca se esquece dos grandes homens.
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Com Martin Drewes em Bad Honnef, Alemanha, outubro de 2009. |
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Martin Drewes (no camelo) e Adolf Brandstetter no Iraque, maio de 1941. |
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Drewes (esq) com a equipe de solo junto ao seu Messerschmitt Me 110, 1944. |
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Martin Drewes e seu ajudante Walter Scheel em Laon, França, março de 1944. Scheel se tornaria Presidente da Alemanha Ocidental em 1974. |
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Jubileu de Prata da Rainha Elizabeth II, 7 de julho de 1977. Walter Scheel (dir) cumprimenta a Rainha e o Príncipe Phillip. Martin Drewes aparece logo atrás do Príncipe. |
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Messerschmitt Me 110G-4 de Martin Drewes. III.NJG 1, Alemanha, verão de 1944. |