Apesar de que mais de 40 países tenham eventualmente composto o bloco dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, apenas num punhado deles hoje podemos ver eventos comemorativos da vitória neste que foi o maior dos conflitos humanos. EUA, Rússia e Inglaterra são os países que realmente celebram seus veteranos e seus feitos, sendo que em outros lugares essas comemorações inexistem, ou são bastante tímidas.
Mas eis que aqui neste canto hemisférico da América do Sul existe uma
reunião nacional anual – da única
divisão de infantaria expedicionária do único país a enviar tropas para o teatro de operações da Europa: o
Brasil. Um evento que pouca gente conhece fora do país, e o mais surpreendente, dentro dele também.
Entre os dias 7 e 10 de novembro de 2012, na cidade mineira de Juiz de Fora, foi realizado o XXIV Encontro Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira. 67 anos após o fim da Segunda Guerra, e após décadas de total descaso para com aqueles que deram suor e sangue nos campos de batalha italianos vestindo as cores nacionais, foi um momento imenso valor emocional e histórico.
Decidi-me por comparecer ao encontro deste ano, pois há alguns anos já freqüento as comemorações do
Dia Nacional da Aviação de Caça no Rio de Janeiro. Ainda no mês de julho, quando o calendário oficial do evento foi divulgado, fiz minha inscrição e comprei minhas passagens.
No dia 6/11, saí de Montes Claros pela manhã, num voo até Belo Horizonte, de onde pegaria minha conexão para Juiz de Fora. Ainda na capital encontrei-me com meu amigo Gilberto Ziebarth Jr., que viera de Blumenau também para o evento, e juntos fizemos a etapa final de voo. Juiz de Fora fica localizada no extremo sudeste do estado de Minas Gerais, estando bem próxima ao Rio de Janeiro. É uma região muito montanhosa, e a cidade tem muitas ladeiras e morros.
Conforme já orientado pela organizadora do evento, Fátima Inhan (filha do ex-combatente Antônio “Toninho” de Pádua Inhan– presidente da ANVFEB-JF), reservamos um hotel no centro da cidade, próximo à sede da associação. O centro de Juiz de Fora é extremamente cheio, com milhares de pessoas indo e vindo a toda hora do dia. Sem muito espaço para expansão horizontal, a cidade já conta com 700 mil habitantes, o que invariavelmente gera a multidão.
No dia 7 pela manhã, com clima bom e céu enevoado, seguimos até a sede da Associação Nacional dos Veteranos da FEB, na rua Howian. No caminho, atravessamos os trilhos ferroviários que cortam o centro da cidade. Para o desavisado, apenas mais um obstáculo a cruzar; porém, não pude deixar de parar e pensar que foi justamente por ali que o 11º Regimento de Infantaria passou, no começo de 1944, em direção à Vila Militar no Rio de Janeiro. É certamente um local histórico.
Chegando à associação, fomos recepcionados pela Fátima, que estava bastante atarefada com as providências de última hora. Uma rápida explicação do cronograma do encontro e recebemos nossas credenciais. Que surpresa! No meu crachá consta “Inscrição: 001”! Fátima me explica que fui o primeiro a confirmar a inscrição no evento, ainda em julho. Isso certamente me deixou orgulhoso!
Estávamos saindo para o almoço quando um carro parou na frente do prédio. Dele, desce um senhor de boné branco, tênis e bengala na mão. O andar meio dificultoso não esconde a idade avançada, mas a sensação inconfundível que se tem ao estar na presença de um veterano da Segunda Guerra não me deixou dúvidas. Tratava-se de uma testemunha ocular da história.
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Na sede da ANVFEB-JF, com o veterano Newton Cidade. |
Nos encontros de veteranos que freqüentei na Alemanha, a grande dificuldade era a língua. Por mais que eu conseguisse um certo nível de comunicação em alemão, nada é mais confortável que o bom e velho português. Sendo assim, foi bastante fácil iniciar uma conversa amigável: trata-se do Sr. Newton Cidade, vindo do Rio de Janeiro, veterano do 1º Regimento de Infantaria. O Sr. Newton possui a característica que marca os veteranos de guerra da FEB: uma amizade carismática e uma simplicidade tocante.
Visitamos juntos a sala do pequeno museu da associação, e ele contou-nos passagens de seu serviço durante a guerra. Com a hora do almoço avançando, tivemos que nos despedir. À noite haveria a recepção de abertura do evento, e nos veríamos de novo.
Às 19h chegamos ao saguão do Hotel Ritz, na Avenida Barão do Rio Branco. O recinto estava tomado por boinas azuis e seus familiares, e grande emoção tomava todos, pois ali estavam velhos amigos que se reencontravam após longo período afastados. São momentos muito emocionantes de se testemunhar, devo confessar. Camaradas de guerra, amizades forjadas sob fogo inimigo, mantidas sete décadas depois.
Por minha vez, reencontrei também os amigos que vieram de Belo Horizonte: Marcos Renault, Sergio Carneiro e o grupo de preservação histórica de BH – todos entusiastas da FEB e grandes promotores da causa dos nossos ex-combatentes. Não poderia deixar de mencionar também a presença ilustre do Presidente Nacional da ANVFEB, General Márcio Rosendo.
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Noite Italiana. |
Após a recepção no saguão, seguimos todos para o salão de festas do hotel, onde foi servido um belo jantar tematizado “Noite Italiana”. Uma trupe de dança italiana se apresentou para os presentes, enquanto nosso anfitrião, Toninho Inhan, passava pelas mesas cumprimentando seus convidados. Toninho fora soldado do 11º RI, e foi um dos conquistadores de Montese. Hoje, aos 87 anos recém-completados, é um exemplo de vitalidade e bom-humor.
Neste momento chegaram também os amigos italianos que sempre estão presentes nos encontros nacionais:
Mario Pereira, filho do veterano Miguel Pereira (já falecido), guardião do
Monumento Votivo à FEB em Pistoia, e
Giovanni Sulla, o maior entusiasta estrangeiro da Força Expedicionária, colecionador de militaria e autor de livros sobre nossos soldados. Sulla e seu característico humor italiano é sempre uma atração à parte.
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Com o veterano Cláudio Soares, 1º RI. |
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Com nosso anfitrião: Antônio de Pádua Inham, 11º RI. |
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Saída do evento: Sr. Cláudio e Gilberto. |
No fim da festa, parados em frente ao hotel, ainda fomos surpreendidos pelas canções do veterano Rafael Braz, de Belo Horizonte, que tem uma voz lírica e nos presenteia com clássicos do Brasil nos anos 1940... Belo fim de noite!
O dia 8 amanheceu semi-aberto, e teríamos logo cedo a missa em ação de graças na
Catedral de São Sebastião. Por estar com meu uniforme da FEB, a Fátima me pediu para levar um dos estandartes da divisão para o altar. Desnecessário dizer o quanto foi honroso fazer isso, e enquanto entrava pela nave central não pude deixar de relembrar a descrição da missa do 11º Regimento na Catedral de Pisa, descrita pelo
recém-falecido Major Ruy Fonseca no documentário “
O Lapa Azul”.
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Veteranos na Catedral de São Sebastião. |
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General Rêgo Barros e o veterano Raul Kodama, da artilharia da FEB. |
Logo após a celebração, seguimos para a sede da associação para a abertura oficial do evento e para o almoço.
Para surpresa geral, o salão no segundo andar do prédio da ANVFEB ficou lotado com veteranos, familiares, autoridades militares e outros. A execução do Hino Nacional e da Canção do Expedicionário foram emocionantes. Tivemos, durante este almoço, a oportunidade de escutar o veterano José Maria Nicodemoscontar histórias exclusivas de seu serviço como apontador de morteiros – algo que somente se desfruta escutando o próprio protagonista!
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Com Dona Carlota Mello, enfermeira da FEB. |
Neste dia, à noite, aconteceu uma recepção no quartel do 10º Batalhão de Infantaria– antigamente sede do 10º Batalhão de Caçadores, unidade que seguiu para São João Del Rei como parte integrante do 11º Regimento Expedicionário – com saboroso jantar oferecido pelo comandante. Quem tiver a oportunidade de passar pelo 10º Batalhão, não deixe de visitar o pequeno mas interessantíssimo museu lá instalado, que contém muitos armamentos da Segunda Guerra Mundial.
Contudo, este foi um dia para dormir cedo, pois na manhã seguinte iríamos para São João Del Rei, fazer um passeio pela
cidade-sede do11º Regimento.
E assim foi feito, às 7:30h entramos nos ônibus que nos esperavam no Parque Halfeld, e tomamos a estrada rumo a São João Del Rei. O tempo estragou um pouco o passeio, visto que uma chuva constante caía pela região toda. Entretanto, chegamos ao destino na hora marcada. O grupo fez uma passagem pelo museu do 11º RI – que eu já tinha visitado em abril deste ano – e que possui um acervo realmente invejável, inclusive duas metralhadoras MG 42 em seus tripés originais.
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Uma das MG 42s do museu. |
Ainda no museu, tivemos uma verdadeira aula de operação da MG 42 (a famosa “Lurdinha”) com nosso amigo Giovanni Sulla. Podemos dizer que saímos dali prontos pra operar a máquina! Também tivemos uma conversa com o veterano Manuil Piegas, de Porto Alegre. Sargento no 11º RI, ele teve seu batismo de fogo em Montese, quando teve seu comandante de pelotão ferido por uma bomba. Manuil emocionou-se bastante ao relatar que teve que assumir momentaneamente o comando do pelotão em plena ação, dizendo ter ficado responsável pelas vidas de quase 40 homens. Somente pode-se imaginar o que é passar pelo que o Sr. Manuil passou...
Uma recepção e almoço se seguiram na sede do 11º Batalhão de Montanha, e às 15h nos enfileiramentos na estação ferroviária para o trajeto de trem até Tiradentes. A velha locomotiva histórica a vapor deu um sabor diferente ao passeio, evidenciando a identidade de Minas Gerais aos visitantes de outros locais.
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Genival Máximo contando como chegou ao topo do Monte Castelo. |
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Com o veterano Anselmo Alves, de São Luís-MA. |
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No trem para Tiradentes, com Giovanni Sulla e sua esposa. |
A chuva se fez sentir mais uma vez, e o passeio acabou sendo encurtado. Voltamos de ônibus para Juiz de Fora a partir da própria Tiradentes. À noite, fui convidado por Marcos Renault para um jantar de recepção a um casal de amigos que acabara de chegar, Vitor Santos e Ana Lúcia Nogueira.
Finalmente, no sábado, dia 10 – último dia do evento – tivemos a cerimônia oficial de concessão das Medalhas Mascarenhas de Morais, realizada no pátio do 10º Batalhão. Seguiram-se discursos do General Rêgo Barros (comandante da 10ª Brigada de Infantaria Motorizada) e do nosso anfitrião Toninho Inham. Em seguida, fomos levados para o almoço oferecido pelo quartel.
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Gilberto Ziebarth e Marcos Renault. |
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Soldados de linha de frente do Brasil: Manuil Piegas, Ary Roberto (ambos conquistadores de Montese) e Genival Máximo (conquistador de Monte Castelo). |
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Gilberto Ziebarth, General Rêgo Barros, Giovanni Sulla, Vitor Santos, eu, Mário Pereira. |
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Veterano João Lansilotte autografando fotos. |
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Veteranos de Porto Alegre: Oudinot Willadino (6º RI) e Manuil Piegas (11º RI) |
À noite, no Círculo Militar de Juiz de Fora, foi realizada o Jantar Dançante. Neste evento de gala, tivemos a distribuição de honrarias para os veteranos, bem como uma emocionante execução da Canção do Expedicionário por todos os veteranos reunidos no centro do salão – tudo puxado pelo “tenor”, veterano Rafael Braz.
A despedida de todos foi seguindo-se, visto que nossos antigos guerreiros vão para a cama cedo. Os ônibus das diversas excursões que os trouxeram foram recolhendo os valorosos pracinhas. Pra quem ficou por último, o sentimento de saudade já aparecia. Como brasileiro, não há ocasião mais importante do que essa para testemunhar pedaços reais da história que tanto nos enche de orgulho como os veteranos da FEB.
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Com o veterano do 9º Batalhão de Engenharia, Antônio Cruchaki. |
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Dona Carlota e Fátima Inham. |
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Fim de festa, ao lado do veterano Fidelcino Filgueiras, do 1º RI. |
Fica o sentimento de satisfação – e chego a dizer dever cumprido– por ter participado desta festividade tão bonita e marcante. Que possamos ainda comemorar muitas vezes com nossos heróis!
Adiantando aos amigos: o encontro do ano que vem será realizado em São Bernardo do Campo. Nos vemos lá!